quinta-feira, 9 de março de 2017

resenha | O Conto da aia

por Maria Clara

Offred é uma aia. No  arranjo social de Gilead, isso significa que ela é uma das mulheres que ainda são capazes de ter filhos  mas também quer dizer que deve andar sempre de vermelho, não pode ter acesso à leitura, seu contato com o mundo é limitado e ela pertence a um homem.

A protagonista de "O Conto da aia", da canadense Margaret Atwood, vive em uma distopia. Gilead se localiza onde, anteriormente, eram os Estados Unidos. Depois de conflitos com o Irã, o país passou por grandes mudanças, passando a ser comandado de forma totalitária e machista. A segregação social se tornou mais evidente e exclui, principalmente, as mulheres: elas se dividem em Esposas (ricas, casadas com Comandantes), Econoesposas (pobres, mas ainda com certa posição social), Marthas (responsáveis por serviços domésticos) e Aias.

Narrado por Offred, o livro mostra os primeiros anos da nova vida em Gilead. Oprimidas pelos homens que comandam o país, elas são constantemente vigiadas e não têm liberdade para conversar livremente nem entre si mesmas. A protagonista perdeu seu nome de batismo ("Offred" é "of Fred", que pode ser traduzido como "de Fred", o nome de seu comandante; quando uma aia muda de dono, também assume o nome do novo homem a quem deve servir) e sua família  ela tinha um marido e uma filha pequena, e a dúvida sobre o destino dos dois é o que ajuda a manter a personagem sã em meio à vida de confinamento.


O livro aborda, especialmente, as relações entre as mulheres de Gilead. Apesar de serem as maiores responsáveis pela continuação das famílias, as aias são desprezadas pelas outras: obrigadas a se sujeitar a diferentes homens, são vistas como prostitutas e como indignas do respeito das Esposas. No próprio grupo de aias, há aquelas que abraçam a nova função e tentam se sobrepôr às outras, e todas são treinadas e vigiadas pelas Tias: mulheres que, assim como os capatazes na época da escravidão brasileira, são responsáveis pela opressão a seus pares e que parecem acreditar fervorosamente nos objetivos da classe dominante.


Publicado em 1985, "O Conto da aia" permanece atual ao levantar questionamentos sobre o valor da mulher. Numa época em que o debate feminista ganhou as ruas e as redes sociais, trechos em que aias lembram dos abusos que sofreram no passado trazem à mente questões levantadas, por exemplo, pelo movimento "Eu não mereço ser estuprada". Trechos sobre aborto, métodos contraceptivos e orientação sexual também são pontos fortes do enredo.

A função feminina relativa às tarefas domésticas também é observada, ainda que de forma mais sutil (as Marthas cuidam da cozinha e da limpeza, mas o tratamento dado a elas lembra pontos da discussão sobre as empregadas domésticas  com a diferença de que, em Gilead, elas são abertamente tratadas como propriedade da casa).


Faye Dunaway e Natasha Richardson na adaptação de 1990
Entre Esposas e Aias, a tensão é mais forte. Para as primeiras, a esterilidade significa a falha no objetivo principal de procriação, que seria a função característica de uma mulher. A convivência com uma aia dentro da própria casa, então, é tanto uma dependência de alguém mais habilitado biologicamente quanto um incômodo por ter de aceitar uma espécie de amante do marido. Para as segundas, a necessidade de agradar  ou, ao menos, não irritar muito  as donas da casa é uma forma de sobrevivência na nova realidade em que foram obrigadas a viver.

Com texto fluido mas de conteúdo extremamente profundoe propício à reflexão, o livro foi adaptado para o cinema em 1990. No filme "A Decadência de uma espécie", a protagonista é interpretada por Natasha Richardson, enquanto Faye Dunaway e Robert Duvall são responsáveis pela Esposa e pelo Comandante.


Elisabeth Moss como Offred, na série que estreia em abril

O livro está sendo novamente adaptado para uma série, com o mesmo nome da obra original. Produzida pelo site Hulu, ela está prevista para estrear em abril de 2017 e traz Elisabeth Moss no papel de Offred.

"O Conto da aia" foi publicado pela editora Rocco. Para adicioná-lo à sua estante no Skoob, clique aqui.

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