quinta-feira, 30 de março de 2017

resenha | Pequenas grandes mentiras

por Maria Clara


Madeline ama os três filhos, mas seu relacionamento com a mais velha - fruto de um casamento anterior - está abalado. Celeste é linda, rica e, ao lado do marido e dos filhos, é o retrato vivo de uma família perfeita. Jane tem 24 anos e é uma mãe dedicada que se esforça na tarefa de criar o filho sozinha. O livro "Pequenas grandes mentiras", que tem as três como protagonistas, poderia ser apenas um romance sobre a relação entre estas mulheres - mas vai além disso.

Escrito pela australiana Liane Moriarty, o livro apresenta os moradores de uma pequena cidade cuja vida gira em torno do mundo escola. Forçados a conviver graças aos filhos, os pais de uma turma de jardim de infância se veem em conflito após um caso de bullying. Quando uma menina volta da aula com sinais de agressão e acusa o filho de Jane, Ziggy, a tensão coloca os pais uns contra os outros. O crescente conflito entre os adultos é mesclado à investigação de uma morte que, apesar de acontecer mais à frente cronologicamente, é apresentada ao leitor logo no início da história.

Sozinha com o filho na nova cidade, Jane encontra apoio em Madeline e Celeste. Rapidamente, as três se tornam amigas, apesar das pequenas mentiras que contam sobre suas vidas - mentiras pequenas, sim, mas cuja importância cresce à medida que descobrimos as verdades que encobrem. O passado de Jane, que ela esconde até da família, faz com que a jovem duvide, em alguns momentos, se conseguirá educar bem seu filho e mesmo se o menino é realmente inocente das agressões à colega.

Celeste é o tipo de mulher perfeita de quem todas as outras mães do jardim de infância sentem inveja. Ninguém suspeita, da rotina que ela mantém com o marido, e que se aproxima de uma situação em que ela deverá tomar decisões sérias sobre o casamento.

Em comparação às amigas, Madeline talvez esteja em melhor situação. Abandonada pelo ex-marido há mais de 15 anos, ela ainda não superou o novo casamento dele, a amizade de sua filha mais velha com a nova esposa do pai e o fato de que as respectivas filhas mais novas de cada um são colegas de sala. Das três protagonistas, porém, ela é a que menos esconde sobre sua própria vida. Com certo ar de abelha-rainha adolescente, trava uma luta pela liderança entre as mães do jardim de infância e tenta sempre resolver os problemas de quem está ao seu redor.

Além dos problemas de cada protagonista, o livro une todos os personagens com a investigação de um assassinato. Cada capítulo é encerrado com declarações dos pais e mães que têm crianças no jardim de infância sobre a morte - mas sem dar ao leitor nenhum detalhe sobre o fato.

Adaptado pela HBO para uma série de mesmo nome, "Pequenas grandes mentiras" discute violência doméstica e agressão sexual enquanto mostra a importância da sororidade na superação desses problemas. Mesmo sem conversar abertamente sobre os dramas que vivem, as três protagonistas encontram umas nas outras a força para seguirem em frente. Ao mesmo tempo, é apresentada uma competitividade feminina extrema, de modo que o comportamento geralmente esperado de panelinhas de escola é visualizado entre as responsáveis pelas crianças.



A conclusão do livro pode parecer apressada, mas faz sentido quando se considera que a cidade é bastante pequena e que todos os seus habitantes têm o hábito de comentar excessivamente a vida dos outros. O final se mantém à altura de um enredo que se destaca por não apresentar mulheres "boas" ou "más", mas personagens complexas que lidam com conflitos profundos. A adaptação televisiva já está em exibição e as protagonistas são interpretadas por Reese Witherspoon, Nicole Kidman e Shailene Woodlay.

"Pequenas grandes mentiras" foi publicado pela editora Intrínseca. Para adicioná-lo à sua estante no Skoob, clique aqui.

quinta-feira, 16 de março de 2017

resenha | Antes que eu vá

por Maria Clara


Samantha Kingston está no último ano da escola. Ela e suas três amigas se dividem entre as aulas e as aulas, festas e atividades sociais da escola - como o Dia do Cupido, em que os estudantes enviam rosas a seus amigos. A data é uma das preferidas de Sam, já que as pessoas com mais rosas são consideradas as mais populares do colégio. O dia ocorreria sem sobressaltos, não fosse pelo fato de que, ao final dele, a protagonista sofre um acidente fatal.

Escrito por Lauren Oliver, "Antes que eu vá" mostra Sam tentando entender a situação: ela percebe, logo no início, que morreu. Como é possível, então, que ela acorde todas as manhãs no mesmo Dia do Cupido? A adolescente não entende se está sendo punida por forças maiores ou se recebeu uma oportunidade de se salvar. Aos poucos, ela começa a repensar sua relação com a família, os amigos, o namorado e mesmo os colegas que perseguia e discriminava.

Como é de se esperar, reviver o mesmo dia faz com que Sam se aproxime mais das pessoas que a cercam. Ela passa a ter mais contato com todos, descobrindo fatos da vida de cada um que a ajudam a criar empatia pelos colegas. A cada "novo" dia de repetição, ela tem novas ideias para encerrar os assuntos que deixou inacabados, amadurecer, se reconciliar com o que acredita ser a atitude correta e sair das repetições em que o acidente lhe lançou.




A história deu origem a um filme de mesmo nome, dirigido por Ry Russo-Young e que deve ser lançado em maio. Na adaptação, Samantha é interpretada por Zoey Deutch (que já viveu a protagonista de Vampire Academy, Rose Hathaway).

"Antes que eu vá" foi publicado pela editora Intrínseca. Para adicioná-lo à sua estante no Skoob, clique aqui.

quinta-feira, 9 de março de 2017

resenha | O Conto da aia

por Maria Clara

Offred é uma aia. No  arranjo social de Gilead, isso significa que ela é uma das mulheres que ainda são capazes de ter filhos  mas também quer dizer que deve andar sempre de vermelho, não pode ter acesso à leitura, seu contato com o mundo é limitado e ela pertence a um homem.

A protagonista de "O Conto da aia", da canadense Margaret Atwood, vive em uma distopia. Gilead se localiza onde, anteriormente, eram os Estados Unidos. Depois de conflitos com o Irã, o país passou por grandes mudanças, passando a ser comandado de forma totalitária e machista. A segregação social se tornou mais evidente e exclui, principalmente, as mulheres: elas se dividem em Esposas (ricas, casadas com Comandantes), Econoesposas (pobres, mas ainda com certa posição social), Marthas (responsáveis por serviços domésticos) e Aias.

Narrado por Offred, o livro mostra os primeiros anos da nova vida em Gilead. Oprimidas pelos homens que comandam o país, elas são constantemente vigiadas e não têm liberdade para conversar livremente nem entre si mesmas. A protagonista perdeu seu nome de batismo ("Offred" é "of Fred", que pode ser traduzido como "de Fred", o nome de seu comandante; quando uma aia muda de dono, também assume o nome do novo homem a quem deve servir) e sua família  ela tinha um marido e uma filha pequena, e a dúvida sobre o destino dos dois é o que ajuda a manter a personagem sã em meio à vida de confinamento.


O livro aborda, especialmente, as relações entre as mulheres de Gilead. Apesar de serem as maiores responsáveis pela continuação das famílias, as aias são desprezadas pelas outras: obrigadas a se sujeitar a diferentes homens, são vistas como prostitutas e como indignas do respeito das Esposas. No próprio grupo de aias, há aquelas que abraçam a nova função e tentam se sobrepôr às outras, e todas são treinadas e vigiadas pelas Tias: mulheres que, assim como os capatazes na época da escravidão brasileira, são responsáveis pela opressão a seus pares e que parecem acreditar fervorosamente nos objetivos da classe dominante.


Publicado em 1985, "O Conto da aia" permanece atual ao levantar questionamentos sobre o valor da mulher. Numa época em que o debate feminista ganhou as ruas e as redes sociais, trechos em que aias lembram dos abusos que sofreram no passado trazem à mente questões levantadas, por exemplo, pelo movimento "Eu não mereço ser estuprada". Trechos sobre aborto, métodos contraceptivos e orientação sexual também são pontos fortes do enredo.

A função feminina relativa às tarefas domésticas também é observada, ainda que de forma mais sutil (as Marthas cuidam da cozinha e da limpeza, mas o tratamento dado a elas lembra pontos da discussão sobre as empregadas domésticas  com a diferença de que, em Gilead, elas são abertamente tratadas como propriedade da casa).


Faye Dunaway e Natasha Richardson na adaptação de 1990
Entre Esposas e Aias, a tensão é mais forte. Para as primeiras, a esterilidade significa a falha no objetivo principal de procriação, que seria a função característica de uma mulher. A convivência com uma aia dentro da própria casa, então, é tanto uma dependência de alguém mais habilitado biologicamente quanto um incômodo por ter de aceitar uma espécie de amante do marido. Para as segundas, a necessidade de agradar  ou, ao menos, não irritar muito  as donas da casa é uma forma de sobrevivência na nova realidade em que foram obrigadas a viver.

Com texto fluido mas de conteúdo extremamente profundoe propício à reflexão, o livro foi adaptado para o cinema em 1990. No filme "A Decadência de uma espécie", a protagonista é interpretada por Natasha Richardson, enquanto Faye Dunaway e Robert Duvall são responsáveis pela Esposa e pelo Comandante.


Elisabeth Moss como Offred, na série que estreia em abril

O livro está sendo novamente adaptado para uma série, com o mesmo nome da obra original. Produzida pelo site Hulu, ela está prevista para estrear em abril de 2017 e traz Elisabeth Moss no papel de Offred.

"O Conto da aia" foi publicado pela editora Rocco. Para adicioná-lo à sua estante no Skoob, clique aqui.

quinta-feira, 2 de março de 2017

resenha | Depois de você

por Maria Clara


Em "Como eu era antes de você", a autora Jojo Moyes apresentou a história de Louisa Clarke e seu relacionamento com o bilionário Will Traynor. Tetraplégico, Will quer cometer suicídio assistido e nem o amor de Lou consegue convencê-lo a mudar de ideia. O tempo que os dois passam juntos, porém, tem grande influência na vida da moça: apaixonado por ela, Will tenta expandir sua forma de ver o mundo e perseguir seus sonhos.

Mais de um ano depois de perder Will, Louisa volta às páginas de Moyes - e se o primeiro livro terminou dando um toque de esperança à vida da protagonista, a continuação mostra que essa sensação não durou tanto tempo.

Em "Depois de você", Louisa trabalha como garçonete de um pub no aeroporto. Ela passou alguns meses viajando pela Europa mas, em pouco tempo, percebeu que ainda não havia superado a morte do antigo patrão e voltou para a Inglaterra, apesar de não retornar à casa dos pais: agora, ela mora em Londres, a pouco tempo do novo emprego (que detesta e onde não é valorizada).

Sozinha no apartamento onde mora, ela sofre um acidente - interpretado pela família como uma tentativa de suicídio - e conhece Lily, filha adolescente de Will. Nem o próprio Will sabia da existência da menina, que passa a morar com Lou para saber mais sobre o pai. O livro se baseia na convivência das duas, como forma de resgatar a história do bilionário, e na tentativa de Louisa de seguir em frente e lidar com os sentimentos por outro homem.

"Depois de você" segue o tom do primeiro livro, focando no crescimento pessoal de Lou. Nos primeiros capítulos, a dor da perda de Will ainda é bastante forte e ela acaba por pautar sua vida por aquilo que ainda a conecta a ele, mas aos poucos percebe que precisa conciliar seu luto com a necessidade de dar continuidade a sua vida e se permitir viver novos amores.

O livro começa depois de Lou tentar seguir os conselhos de Will

O tratamento dado por Moyes à tristeza da protagonista não é forçado nem artificial; Louisa realmente sente dificuldades para superar o luto, mas não a ponto de ter atitudes exageradas. A relação com Lily pode ser estranha - afinal, a menina tem apenas 16 anos e o leitor pode se perguntar onde estão os responsáveis por ela (a pergunta é respondida no livro) -, mas a estranheza da situação não escapa à percepção de Lou, que também sabe que precisa se esforçar para ficar bem de novo. O que ela não sabe, por causa do próprio luto, é como começar esse esforço.

A história continua apresentando Lou como uma personagem interessante e com diferentes nuances, distante da jovem efusiva e colorida que inicia o primeiro livro. Com uma carga dramática maior, agora que até os personagens secundários precisam lidar com a morte de Will, "Depois de você" é a continuação que "Como eu era antes de você" merecia: sem exageros nem dramalhão, mas abordando o luto e a luta da protagonista de forma honesta e sensível.

"Depois de você" foi publicado pela editora Intrínseca. Para adicioná-lo à sua estante no Skoob, clique aqui.
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